Lei de acesso requer mudança cultural, dizem especialistas.
O Brasil vai precisar passar por uma 'revolução cultural' para aplicar a Lei de Acesso a Informações Públicas, afirmaram ontem especialistas e autoridades encarregadas de fazer valer legislações desse tipo em outros países.
Sancionada pela presidente Dilma Rousseff no último dia 18, a lei de acesso garante a qualquer cidadão o direito de solicitar, sem precisar justificar o pedido, dados sobre a administração pública.
'A lei é um ótimo ponto de partida, mas as pessoas precisam mudar e compreender que as informações são públicas e ao público pertencem', disse Gabriela Segovia, diretora-geral de Políticas de Acesso do Instituto Federal de Acesso à Informação do México -país considerado referência no assunto (...)
Kevin Dunion, comissário de Informação da Escócia, também participou. De acordo com ele, seu país gastou 'um tempo considerável só para fazer as pessoas saberem que elas tinham direito de pedir informações'.
No Brasil, os órgãos públicos terão seis meses para se adaptar à nova lei."
Essa é uma lei importantíssima e que é muito parecida com leis de outros países como EUA e Inglaterra (em ambos, conhecidas como Freedom of Information Ac) que tiveram um grande impacto naquelas sociedades.
O que essa nossa nova lei diz é que qualquer interessado pode requisitar a qualquer órgão público (dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nas esferas federal, estadual e municipal, tanto da administração pública direta quanto indireta, e até mesmo entidades privadas sem fins-lucrativos - como fundações e associações - que recebam recursos públicos diretamente do orçamento ou através de subvenção social, parcerias, convênios etc, informações que não sejam sigilosas (ultrassecretas, secretas, reservadas), não sejam de caráter pessoal, não estejam protegidas por segredo de justiça ou não sejam segredo industrial ou relativas a projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico (e mesmo se a informação for parcialmente sigilosa, o interessado ainda assim poderá ter acesso à parte não sigilosa).
Essas entidades devem fornecer a informação pedida gratuita* e imediatamente. Quando não for possível fornecer a informação imediatamente, elas devem, em até 20 dias, dizer quando e onde a pessoa poderá ter acesso a essa informação. Além disso, a pessoa interessada não precisa se justificar, ou seja, ela não precisa dizer por que quer ter acesso àquela informação. O papel do órgão público é fornecer a informação e não avaliar por que o interessado quer ter acesso a ela.
Mas há um detalhe aqui: para que ele seja obrigado a fornecê-la, a informação precisa existir. A idéia é que o governo seja transparente e não que ele se torne um centro de pesquisas de informação para o público. Se ele tiver a informação, ele é obrigado a fornecê-la; se ele não a tiver, ele deverá encaminhar o pedido ou informar qual o órgão a tem, ou dizer que não a tem, ou dizer que tal informação não pode ser acessada porque é sigilosa, tem caráter pessoal (quando é possível identificar dados pessoais de alguém) etc. Por exemplo, se você for ao Ministério da Cultura perguntando o número de hospitais públicos no Brasil, ele provavelmente não terá essa informação e, por isso, não terá a obrigação de fornecê-la. Mas se o órgão que recebeu o pedido souber qual o órgão possui essa informação – por exemplo, o Ministério da Saúde – ele deverá ou indicar o nome do órgão ao interessado ou enviar o requerimento diretamente para aquele órgão. A idéia aqui é evitar que os órgãos públicos simplesmente deixem o interessado no limbo dizendo que não têm a informação mesmo sabendo que essa informação existe em outro lugar.
Pelo mesmo motivo, se a informação já existiu, mas já não existe – por exemplo, foi destruída – o órgão não só deverá informar que ela foi destruída, mas também apresentar testemunhas que confirmem isso. A idéia aqui é evitar que os órgãos públicos neguem a existência de informações que existam mas que possam constrange-los.
E se o acesso for negado, o interessado pode recorrer em até 10 dias a uma autoridade superior àquela que negou seu pedido. E quem recebeu o recurso terá 5 dias para julgar. Se o recurso for indeferido, o interessado poderá recorrer à Controladoria Geral da União, que é um dos órgãos ligados à presidência da República. E Se essa também negar acesso às informações, é possível ainda recorrer a um novo órgão criado só para isso: a Comissão Mista de Reavaliação de Informações.
* Embora o acesso à informação seja gratuito, se o órgão precisar reproduzir os documentos nos quais a informação está contida, o órgão poderá cobrar pelo custo dessa reprodução.
Fonte: Folha de São Paulo - 6/12/11
Principais pontos da lei de acesso a informações públicas
LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.
Estes são pontos do texto aprovado pelo Senado em outubro de 2011 e sancionado pela Presidente em 18/11/2011.
1. Quem deve cumprir a lei Referência na lei: Artigo 1º, parágrafo único.
Órgãos públicos dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) dos três níveis de governo (federal, estadual, distrital e municipal). Incluem-se os Tribunais e Contas e os Ministérios Públicos.
Autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e “demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios” também estão sujeitos à lei.
Entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos diretamente ou por meio de subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes e outros instrumentos devem divulgar informações relativas ao vínculo com o poder público.
2. Transparência ativa Referência na lei: Artigo 3º, II; Artigo 8º
As informações de interesse público deverão ser divulgadas “independentemente de solicitações”
3. Conjunto mínimo de informações que devem ser fornecidas na internet Referência na lei: Artigo 8º, § 1º.
Conteúdo institucional
Competências, estrutura organizacional, endereços e telefones das unidades, horário de atendimento ao público e respostas às perguntas mais frequentes da sociedade.
Conteúdo financeiro e orçamentário
Registros de repasses ou transferências de recursos financeiros, bem como de despesas.
Informações de licitações (editais, resultados e contratos celebrados).
Dados gerais sobre programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades.
Referência na lei: Artigo 8º, § 4º.
Municípios com menos de 10 mil habitantes não precisam publicar na internet o conjunto mínimo de informações exigido. Entretanto, precisam cumprir a Lei da Transparência (Lei Complementar nº 131/2009).
4. Requisitos para os sites de órgãos públicos Referência na lei: Artigo 8º, § 3º.
O site deve ter uma ferramenta de pesquisa e indicar meios de contato por via eletrônica ou telefônica com o órgão que mantém o site.
Deve ser possível realizar o download das informações em formato eletrônico (planilhas e texto), e o site deve ser aberto à ação de mecanismos automáticos de recolhimento de informações (ser “machine-readable”). Deve também atender às normas de acessibilidade na web.
A autenticidade e a integridade das informações do site devem ser garantidas pelo órgão.
5. Estrutura e pessoal necessários para implantação da lei
Referência na lei: Artigo 9º.
Os órgãos públicos deverão criar um serviço físico de informações ao cidadão. Ele será responsável por orientar as pessoas sobre o acesso a informações, receber requerimentos e informar sobre o andamento deles. O serviço também deverá realizar audiências públicas e divulgação do acesso a informações.
Referência na lei: Artigo 40.
Em até 60 dias após a lei entrar em vigor, o dirigente máximo de cada um dos entes da administração pública federal direta ou indireta deverá designar uma autoridade diretamente subordinada a ele para garantir e monitorar o cumprimento da lei de acesso. Essa autoridade deverá produzir relatórios periódicos sobre a observância à lei.
6. Quem pode fazer pedidos de informação Referência na lei: Artigo 10
Qualquer cidadão.
7. O que o pedido de informação deve conter Referência na lei: Artigo 10, § 1º e 3º.
Identificação básica do requerente e especificação da informação solicitada. Não é preciso apresentar o(s) motivo(s) para o pedido.
Não se pode exigir, na identificação, informações que constranjam o requerente.
8. Como o pedido de informação pode ser feito Referência na lei: Artigo 10.
Por “qualquer meio legítimo”, ou seja: e-mail, fax, carta, telefonema
9. Prazo para a concessão da informação solicitada Referência na lei: Artigo 11, § 1º e 2º
Caso disponível, a informação deverá ser apresentada imediatamente. Se não for possível, o órgão deverá dar uma resposta em no máximo 20 dias. Esse prazo pode ser prorrogado por mais dez dias, desde que a entidade apresente motivos para o adiamento.
10. Negativa de acesso
Referência na lei: Artigo 11, § 1º, II.
O órgão público pode negar acesso total ou parcial a uma informação solicitada. Nesse caso, deverá justificar por escrito a negativa e informar ao requerente que há possibilidade de recurso. Deverão ser indicados os prazos e condições para tal recurso, além da autoridade responsável por julgá-lo.
Referência na lei: Artigo 14.
O requerente tem o direito de obter a íntegra da decisão de negativa de acesso (original ou cópia).
11. Formatos de documentos a que a lei se aplica Referência na lei: Artigo 11, § 5º, 6º
A lei é aplicável a documentos em formato eletrônico ou físico.
12. Cobrança Referência na lei: Artigo 12
Só poderá ser cobrado do cidadão o montante correspondente aos custos de reprodução das informações fornecidas. Pessoas que comprovem não ter condições de arcar com tais custos estão isentas do pagamento.
13. Recursos contra negativa de acesso Referência na lei: Artigo 15.
Devem ser feitos em no máximo 10 dias depois de recebida a negativa. Eles serão encaminhados à autoridade superior àquela que decidiu pela negativa de acesso. A autoridade tem até 5 dias para se manifestar sobre o recurso.
Referência na lei: Artigo 16
No caso de entidades do Executivo federal, se a autoridade superior em questão mantiver a negativa, o recurso será encaminhado à Controladoria-Geral da União (CGU), que tem o mesmo prazo para se manifestar (5 dias).
Caso a CGU mantenha a negativa, o recurso será enviado à Comissão Mista de Reavaliação de Informações.
14. Punições a agentes públicos
Referência na lei: Artigo 32, § 1º, II.
O agente público que se recusar a fornecer informações, retardar o acesso a elas ou fornecer dados incorretos deliberadamente comete infração administrativa, e poderá ser punido com, no mínimo, uma suspensão.
Referência na lei: Artigo 32, § 2º
Se for o caso, o agente público também poderá responder a processo por improbidade administrativa.
Referência na lei: Artigo 32, § 1º, IV
O agente público que divulgar documentos considerados sigilosos sem autorização também é passível de punição.
15. Punição a entidades privadas
Referência na lei: Artigo 33.
Como a lei também prevê que entidades privadas com vínculos com o poder público devem divulgar informações, elas também podem ser punidas caso não cumpram as exigências. As sanções vão de advertência ou multa à rescisão do vínculo e à proibição de voltar a contratar com o poder público.
Referência na lei: Artigo 32, § 1º, IV
A entidade privada que divulgar documentos considerados sigilosos sem autorização também é passível de punição.
16. Sigilo de documentos
Há três tipos de documentos confidenciais, cada qual com seu prazo para duração do sigilo.
• Referência na lei: Artigo 24, § 1º I, II e III.
• Referência na lei: Artigo 24, § 4º.
• Referência na lei: Artigo 24, § 2º.
• Referência na lei: Artigo 30.
• Referência na lei: Artigo 39.
Há três tipos de documentos confidenciais, cada qual com seu prazo para duração do sigilo.
Classificação Duração do sigilo Renovável?
Ultrassecreto 25 anos Sim. Por apenas mais um período de 25 anos.
Secreto 15 anos Não.
Reservado 5 anos Não.
Após esses prazos, o acesso aos documentos é automaticamente liberado. Ou seja, o prazo máximo para que um documento seja mantido em sigilo é de 50 anos.
As informações que possam colocar em risco a segurança do presidente e do vice-presidente da República e de seus familiares são consideradas reservadas. Em caso de reeleição, elas serão mantidas em sigilo até o término do mandato.
Todos os órgãos e entidades públicas terão de divulgar anualmente uma lista com a quantidade de documentos classificados no período como reservados, secretos e ultrassecretos.
Em até dois anos a partir da entrada em vigor da lei, os órgãos e entidades públicas deverão reavaliar a classificação de informações secretas e ultrassecretas. Enquanto o prazo não acabar, valerá a legislação atual.
17. Comissão Mista de Reavaliação de Informações
• Referência na lei: Artigo 35, §5º.
• Referência na lei: Artigo 35, § 1º, II e III.
Sua composição exata será definida no decreto de regulamentação da lei.
As decisões da Comissão dizem respeito à administração pública federal. Ela poderá rever a classificação de informações como secretas e ultrassecretas e prorrogar, dentro do limite previsto na lei, a classificação de informações como ultrassecretas.